segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

BARCELONA E SANTOS: A HORA DO RECOMEÇO PARA O BRASIL

Por Fernando Carregal

Domingo, 18 de dezembro de 2011, 8h e 30. Para mim, data que se torna terrivelmente inesquecível para a memória do futebol brasileiro. Lá, nas frias e longínquas terras samurais, o Santos -- até então badaladíssimo por aqui -- enfrenta os extraterrestres do planeta Barcelona, e como uma fresta de Sol que se abre em meio à nuvens negras e turbulentas, a mídia e a população brasileira acreditam que o time da Vila Belmiro poderá fazer alguma frente aos catalãs. Como vimos, ledo engano. O Peixe foi assado, frito (como preferir em sua vida gastronômica), com casca e tudo, e engolido, como um simples filé, sem espinhas ou engasgos. 

Metáforas a parte, não estou aqui para analisar o jogo ou a falta de personalidade do time brasileiro. Muito menos venho apontar alguma 'amarelada' de Neymar, ou a inexplicável falta de planejamento tático do técnico Muricy, cuja vertente nesse mundial foi apenas ser grosso nas entrevistas. 'Fala muito!', como disse um outro campeão brasileiro. Também não irei colocar em discussão o incontestável elenco do Barcelona, com jogadores incríveis, como Xavi, Iniesta e o E.T. Messi, isso aí, você já está cansado de ouvir.  Na verdade, estou aqui para apontar um fato grave e preocupante, que se tornou ainda mais notável após a acachapante vitória do time grená e azul sobre os brasileiros. O futebol brasileiro vem perdendo sua identidade, e com isso, sofre uma grave inversão de valores para com o futebol europeu. 
Neste momento, peço a você amigo leitor uma rápida reflexão: qual o time, em sua cabeça que jogou ou joga um futebol vistoso por aqui? Tenho certeza, que os mais velhos irão apontar o absurdo Santos dos anos 60, o Flamengo do início dos anos 80, e as raras seleções de 70 e de 82, cada uma com sua particularidade e seu fim. Reparou como é quase impossível de se citar algum time mais atual? Para mim, que nasci no fim da década de 80, esse Barcelona de hoje é o melhor time que vi jogar, é o que me demonstra a ideia clara de futebol, como ele deve ser, com a bola e principalmente sem a gorducha. É só perceber, que esta ideia de futebol imposta pelo Barça se resume em dois fatos simples que toda pessoa que pensa futebol deveria saber: todos devem saber jogar com a bola nos pés e também sem ela. É essa a essência do futebol, e é isso que Guardiola prega a seus jogadores e anteriormente, Rijkaard, Van Gaal e Cruyff pregavam.

E continuo. O Barcelona é o responsável por iniciar um processo de 'abrasileiração' do futebol europeu, com times que valorizam a posse de bola, que buscam as jogadas rápidas e a compactação, entretanto o Barça não é o único. Outros times da Europa também vem buscando encontrar e se adaptar a um estilo de jogo mais ofensivo, que ao mesmo tempo preserve a posse de bola, e dê oportunidade de engrandecer o espetáculo, criando mais chances de gol. Repare ao assistir os jogos europeus na TV quantos times jogam agora com menos volantes e mais jogadores ofensivos, ou melhor, repare que os técnicos europeus estão valorizando mais o talento, a improvisação, o pensamento em campo, à porrada, à falta e à 'cabeça de bagrice'.

E no Brasil caro amigo? O território uma vez famoso pelo melhor futebol do mundo, foi arrebatado com um soco no meio da fuça após o jogo de domingo. Algo como um chamado dizendo: 'Ei! Acorda! Ta na hora de rever seus conceitos!' É, isso mesmo. Creio que a partir deste dia 18, o futebol brasileiro terá uma rara e única oportunidade de analisar o passado recente, e assim, concluir que estamos longe de ser o que um dia fomos em relação ao futebol. Creio que o povo brasileiro, sempre tomado pelo ufanismo futebolístico extremamente exacerbado viu que as coisas não são como pensam, e que sim existe um abismo estrondoso entre nosso futebol e o futebol europeu, e que esse fato não se resume apenas ao poder econômico.

Nosso futebol foi contaminado por uma crença trazida de alguns 'grandes' técnicos brasileiros, que parados no tempo, insistiam em trazer o correto e 'moderno' formato europeu de marcação e desenvolvimento de jogadores, modelo esse já não tão incontestável assim, vide Barcelona, Napoli, Borussia Dortmound, etc. Tal insistência e tentativa de adaptação de estilos, é, para mim, o erro crasso do futebol brasileiro nos útlimos 15, ou 20 anos, período esse que ficamos sem a lembrança de algum time que enchesse os olhos de todos. A contaminação pela busca desse estilo de jogo de  bolas paradas, carregadores de piano e contra-ataques tornou nosso estilo de jogo previsível e minou a individualidade e o talento, que raras vezes prevalece atualmente, salvo Neymar, Ganso, e mais alguns outros. 

Nosso campeonato também foi  enfraquecendo com o tempo, logicamente com a grande contribuição do êxodo de jogadores, mas também pelo aumento do surgimento de jogadores normais, carregadores de piano, sem recursos, fruto de uma categoria de base também contaminada e viciada por obter o tal modelo 'moderno'. Para mim, é essa a raiz do problema. De uns tempos pra cá, as categorias de base e escolinhas limitam o talento dos jovens, e dão definições extremamente prematuras para seus estilos de jogo ou formação física. Se um garoto é muito baixo não pode ser meio campo ou atacante, ignora-se sua visão privilegiada de jogo, seu chute forte. Para a divisão de base, aquele menino é lateral ou não pode jogar; se algum jogador é alto, mas lento, o ensinam a 'bater' e o tornam o famoso carregador de piano, "dane-se sua visão de jogo, seus dribles", dizem os 'professores' das escolinhas. 

Temos de reverter este fato, e perceber que em nosso futebol não temos mais jogadores como um Xavi, um Iniesta. Temos de dar liberdade aos tantos e tantos talentos que aparecem por aí, e assim, recriar nossa um dia predominante filosofia de futebol. Aquele que um dia foi mágico, foi arte, foi brasileiro, como disse Josep Guardiola na coletiva após a final. O Barcelona, com suas canteras, mostra que isso é possível, a Europa  toda também começa a perceber que é possível tornar o futebol melhor, só nós não conseguimos perceber ainda. Espero que não seja tarde demais...

(Dos 11 em campo ontem, 9 foram formados nas categorias de base do Barcelona)

2 comentários:

  1. Ótima teoria! Concordo, em partes. Concordo que os times brasileiros e suas categorias de base viraram formadores de carregadores de piano. Prova disso é que passamos por 3 copas do mundo sem um verdadeiro camisa 10. Foi assim em 2010, 2006, 2002... Mesmo campeão, o 3-5-2 do Felipão não tinha um 10 clássico. Em 98 o time começou com um 10 (Giovani) que não deu certo e tentou Leonardo, que jogou como 10 e foi bem. Fora isso, cade os pensadores brasileiros como Xavi, Iniesta, etc.. Ou mesmo como Zico, Rai, Silas, Alex (Palmeiras e Cruzeiro)... Ganso poderá ser esse cara, mas Diego também poderia... então! Enfim, eu só não concordo que na Europa esse futebol do Barcelona seja uma unanimidade. Eles são ETs e o resto continua o resto. Nenhum outro clube Europeu tem como jogar como o Barcelona pelo simples fato de não serem o Barcelona, não contarem com Messi e Cia e não possuírem um estilo próprio de toque de bola e domínio total das ações. Eu nunca vi, ao vivo, nada igual. O Fla de 81 foi assim, O Brasil de 82 foi assim e a Holanda de 74 foi assim... São times da história e que não tiveram concorrentes em suas épocas. De todo jeito a discussão é fascinante!

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  2. Bom texto, só faltaram as legendas nas fotos!

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